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26 de Abril de 2024

Coronavírus não acabou:o que isso ainda influencia nos negócios?

há 3 anos

Pois é. Chegou 2021 e o coronavírus ainda continua assolando nosso país, junto com altos preços, instabilidade econômica e jurídica. Aí você me pergunta: “Lauren, o que esse vírus ainda pode influenciar nos meus negócios?"Siga-me que eu vou explicar.

O ano de 2020 realmente foi uma caixa de surpresas, tivemos as mais diversas notícias, decisões e legislações envolvidas. Quando tudo começou em março de 2020, acreditávamos que o próximo ano seria diferente. Acontece que tudo isso ainda continuará em 2021, e por isso precisamos ter uma conversa séria sobre pontos importantes nas relações contratuais.

Queda da SELIC

Como forma de tentar barrar a inflação e estimular a economia, o Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central reduziu a taxa SELIC, por diversas vezes, no ano de 2020, chegando ao menor patamar em anos, de 2%.

Para 2021, estudos apontam que a SELIC voltará a crescer, de 3%[1] a 5%[2].

Apesar de tantas infelicidades no ano que se passou, foi um grande ano para renegociações e aquisições, em decorrência dos baixos juros e do estímulo ao crédito.

Por estarmos vivendo, ainda, em período de pandemia, devemos tomar muito cuidado com esses estímulos ao crédito, pois assim como a SELIC caiu, o IGP-M aumentou – e isso onera diretamente as relações contratuais que o utilizam.

Por exemplo, os bancos precisarão que os consumidores celebrem mais contratos e, por isso, facilitarão o acesso ao crédito. A primeira impressão é linda para quem precisa de empréstimos, mas isso poderá levar ao ENDIVIDAMENTO.

Outro ponto importante sobre “aproveitar desse estímulo” é de que os contratos celebrados DURANTE a pandemia, não podem se utilizar dela como “força maior”, posto que PREVÍSIVEL no dia da celebração.

E, justamente por isso, quando se aproveita de uma aquisição facilitada, mas não analisa os encargos posteriores, tem-se um contratante em grandes apuros.

Quer dizer que não há nenhuma saída para esses contratos?

Calma lá, se ocorreu algum evento imprevisível ou até mesmo oneroso (para casos de consumo, nesse último caso), sempre haverá uma saída para aquele que se vê lesado ou como parte mais fraca da relação.

A grande questão é que não poderá se utilizar da pandemia como “força maior” porque ela já existia na celebração do contrato e, uma vez existente, é dever das partes analisar os riscos decorrentes. Se, mesmo diante dos riscos, celebram o contrato, é porque entendem ter capacidade para tanto.

Eu sei que na maioria das celebrações de contratos não é assim e que os contratantes não analisam os riscos envolvidos (infelizmente), mas é o que deveria acontecer. Afinal, o Direito não socorre aos que dormem, lembra?

Alta do IGP-M

A SELIC diminuiu durante 2020 e o IGP-M aumentou, “índice seis vezes maior do que o acumulado em novembro de 2019, de acordo com a última atualização da Fundação Getulio Vargas (FGV)[3]” – apesar de ter desacelerado em dezembro.

Isso quer dizer que os contratos que o utilizam serão diretamente influenciados, podendo originar a tão temida ONEROSIDADE para uma das partes.

Normalmente, contratos de aluguel e contratos de prestação de serviços utilizam do IGP-M e desde os últimos meses de 2020 começaram as especulações a respeito: negociar ou não?

Veja só. Uma vez previsto no contrato, de forma clara e específica, não pode simplesmente a parte que se obrigou a pagar, dizer que não irá mais pagar porque não concorda com o índice. Nesse caso, deve a parte interessada demonstrar que o aumento do valor a colocará em prejuízo, ocasionando uma desproporcionalidade na obrigação originalmente assumida.

Tecnicamente analisando, o credor tem o direito de aplicar o índice concordado expressamente pelo devedor e previamente estipulado em contrato. Porém, diante da realidade econômica e social que estamos vivendo, muitos contratantes estão ponderando os termos para manter a relação sem maiores impactos, possibilitando sua revisão para aplicar índice diverso ou, até mesmo, para não se aplicar nenhuma atualização – mantendo-se o mesmo valor do ano passado.

Nesse último caso, será por liberalidade do credor, até porque não se pode obrigá-lo a não receber o valor que lhe é de direito.

Importante ressaltar que quando falamos em onerosidade para uma das partes, não necessariamente a outra parte está ganhando com isso, “enriquecendo” com o prejuízo da outra. Muitas vezes, irá sofrer tanto quanto a outra se o jogo se inverter e receber a menos do que o planejado.

Até aqui dá para perceber a importância de analisar as consequências econômicas e sociais de cada contrato, né? E não é porque o IGP-M está em alta que necessariamente seu contrato aumentará além do previsto, ok?

Faça os cálculos e análise: (1) o valor atualizado, está muito além do previsto originalmente? Está além do praticado no mercado para caso análogo? (2) A parte devedora terá capacidades de arcar com o valor atualizado? Ou seja, a parte devedora foi, de alguma forma, afetada pela pandemia? (desemprego, fechamento da empresa, queda de faturamento e etc).

Essa variação entre SELIC e IGP-M , por si só, não é considerada como “imprevisível” e, por isso, muitos contratantes acabam tendo dificuldades de conseguir as revisões, posto que era sua obrigação entender os riscos previsíveis – inflação, baixas e aumentos econômicos são previsíveis em qualquer mercado.

O que fazer no caso do meu contrato ser afetado pelo aumento?

Negocie com a outra parte. Se você for credor, o valor a receber é seu de direito, portanto, você poderá reduzir ou isentar da atualização – conforme seu interesse na manutenção do contrato.

Por outro lado, se você for o devedor, você precisa demonstrar para a outra parte a onerosidade que irá sofrer, o porquê esse aumento irá lhe prejudicar e o porquê não possui a capacidade econômica para arcar com ele. Lembre-se: não basta alegar.

A força dos contratos em período pandêmico

A Lei da Liberdade Econômica inseriu ao Código Civil a disposição de que “Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual” (parágrafo único, art. 421), mas como os contratos realmente ficaram em um período tão caótico do qual vivemos?

Que os contratos tem força não há discussão, certo? Entretanto, durante o ano de 2020 onerosidades e prejuízos acometeram inúmeros contratos pelo Brasil, assim como outros nem sentiram fortes abalos.

Justamente por ser o evento “coronavírus” caracterizado como força maior, muitos acreditam que basta alegar para demonstrar a impossibilidade de cumprimento das obrigações ou de isenção de responsabilidade pelo incumprimento, mas não é bem assim. Por si só, não é fundamento para revisão, suspensão ou extinção de um contrato – e isso você já entendeu a essa altura.

Nesses casos, a parte poderá (1) ter previsto na celebração do contrato instrumentos para negociação em situações de força maior ou onerosidade específica, (2) utilizar de preceitos legais – como teorias e legislações – para proteger a parte mais fraca da relação ou lesada, (3) assim como utilizar de preceitos legais para continuidade da relação tal como se originou.

A parte interessada deve demonstrar ser um impedimento real e específico à relação, comprovando eventual onerosidade, prejuízo ou impossibilidade por documentos, testemunhas e outras provas à disposição. Comece por esses passos:

(1) Avalie se de fato a obrigação não pode ser cumprida ou não foi cumprida por conta do coronavírus. Por exemplo, os protocolos como limitação de circulação, cancelamento de eventos, quarentena, fechamento de empresas. Alguma dessas situações prejudicou (ou prejudicará) o cumprimento do contrato?

(2) Avalie a redação do contrato: existe alguma previsão sobre força maior, sobre suspensão ou extinção contratual, sobre notificação prévia, sobre resolução de conflitos, algo que possa nortear a atual situação?

(3) Apresente para a outra parte contratual de forma clara e objetiva o porquê houve (ou haverá) a inviabilização da obrigação. Arquive todos os elementos da época para servirem de prova processual, se necessário, como noticias, decretos, portarias, leis, notificações, e etc.

Ao levantar os dados e analisar suas possibilidades, analise os riscos de decisões judiciais, isso porque contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos, ou seja, as partes possuem autonomia para discutir como ficarão os direitos e obrigações na relação, inclusive os riscos. Assim, a questão de “assumir riscos”, “presunção de entender os riscos” e toda aquela autonomia vigora, sabe?

Por outro lado, nos contratos de consumo há a presunção reversa. Presume-se a assimetria, o que quer dizer que o consumidor é visto como parte mais fraca da relação, como presunção absoluta, tornando as disposições contratuais mais questionáveis.

Cenário do Brasil

Depois de muitos entraves, o regime jurídico teve a inclusão de artigos específicos de matéria contratual, refletindo a prática jurídica ao não considerar "como fatos imprevisíveis, para os fins exclusivos dos arts. 317, 478, 479 e 480 do Código Civil, o aumento da inflação, a variação cambial, a desvalorização ou a substituição do padrão monetário".

Os vetos do Presidente sobre o Regime Jurídico Emergencial foram fundamentados sob a alegação de que já temos legislação aberta suficiente para atender a todas as demandas – o que é verdade.

Entretanto, muitos pediram uma solução do Estado sobre as relações privadas para evitar maiores desgastes – o que, alerto, pode acabar em uma via perigosa, porque os contratos nunca serão iguais aos outros.

Cada contrato é um, cada parte é uma, cada mercado é um, cada realidade é uma, ainda que os contratos se tratem do mesmo objeto.

Quando falamos em relações privadas, precisamos rememorar o que a Lei da Liberdade Econômica trouxe ao Código Civil de que a intervenção do Estado é mínima, principalmente para que não ocorram injustiças e utilizações de má-fé pelos contratantes ao procurarem se salvaguardar pelo Poder Judiciário ou por legislações sem realmente precisar.

No início da pandemia o Governo Federal possibilitou aos estados e municípios que adotassem medidas que melhor se adequassem ao local, o que originou diversas legislações para regulamentar relações privadas – e consequente insegurança jurídica.

Um exemplo da insegurança toda criada pela pandemia, é de que, após inúmeras legislações determinando descontos obrigatórios sobre contratos escolares, o Supremo Tribunal Federal entendeu pela INCONSTITUCIONALIDADE de leis estaduais que estabeleceram esses descontos sobre redes privadas durante a pandemia (ADIs 6423, 3435 e 6575), assim como em outrora o STF também impediu o PROCON de multar escolas que não concedessem descontos.

Porque estou te falando tudo isso?

Porque na esfera contratual nunca existirá um “bê-á-bá” para seguirmos e chegar ao resultado esperado. Antes mesmo da pandemia, já vivíamos num cenário de insegurança jurídica, agora então, nem se fala.

Eu gostaria de te dizer que com o novo ano, o coronavírus acabou? Gostaria, mas essa não é a realidade e precisamos enfrentar.

Entenda que não existe uma regra única e que uma única" solução "para todos os contratos é temerária e colocará em riscos muitos contratantes dependentes dessas relações.

Aquele pensamento que muitos tem de que" credores serão sempre as partes com maior vantagem e com maior capacidade econômica "não é verdade, pelo menos não na maioria dos casos. Muitos credores dependem exclusivamente das rendas provenientes de contratos. Aí me diga: como tirar essa renda ou diminui-la sem análise específica? Impossível.

Por isso, quando falamos em relações privadas, as decisões devem partir das partes envolvidas, sob pena de um terceiro (árbitro ou juiz) decidir como melhor visualiza a situação - e que nem sempre (na maioria da vezes) é a melhor solução.

Esperamos que essa calamidade esteja chegando ao fim, mas ele ainda não chegou, portanto, ainda haverá influência sobre todas as relações, ainda que se tratem de contratos em posições mais privilegiadas (como os serviços essenciais). Umas mais e outras menos, mas todas no mesmo barco, precisando de uma mercado e economia em movimento.

O início de 2021 é propício para analisar o saldo do ano anterior, levantar o que sobrou, o que falta, expectativas e receios para o novo ano. Precisamos, acima de tudo, ter cautela nas decisões, fundamentação sobre elas ou, ao menos, ciência dos riscos assumidos.


[1] Expectativa para Selic em 2021 sobe de 3% para 3,13%, aponta Boletim Focus. Site Valor Investe. Disponível em: https://valorinveste.globo.com/mercados/brasilepolitica/noticia/2020/12/28/expectativa-para-selic-...

[2] Selic deve subir até 5% ao longo de 2021 mas por “bons motivos”, diz Bicalho. Site InfoMoney. Disponível em https://www.infomoney.com.br/stock-pickers/selic-deve-subir-ate-5-ao-longo-de-2021-mas-por-bons-moti...

[3] Com alta do IGP-M, especialistas recomendam negociação do aluguel. Site Agencia Brasil. Disponível em https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2020-12/com-alta-do-igpmespecialistas-recomendam...


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Excelente matéria, parabéns pela visão, nossa opinião complementar https://amauridepaula5.jusbrasil.com.br/artigos/1150191928/recesso-hora-de-descansar-ou-investigar continuar lendo